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Foto do escritorLetícia Méo

Sobre Direito, Sustentabilidade e Marketing Socioambiental


A relação multidisciplinar entre Direito, Meio Ambiente e Marketing sempre foi uma questão que me instigou.


Lembro-me que, em meu primeiro semestre da faculdade (temo a contar que foi em 2006!), na aula de Linguagem Jurídica, fomos inspirados pela Professora Ana Claudia Torezzan, a escrever uma redação sobre o vínculo entre Direito e qualquer outro tema de nosso interesse.


Em meus 18 anos de idade e ainda sem ter explorado quase nada do mundo jurídico, escrevi sobre Publicidade e Direito, ressaltando o que eram práticas publicitárias enganosas e abusivas, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor e o Código de Autorregulamentação Publicitária do CONAR.


[Modéstia à parte, recebi nota máxima por meu trabalho e a Professora pediu que eu o lesse para os demais alunos da sala (nerd, eu sei. Mas, foi realmente um texto que me inspirou e gostei bastante de escrever!)]


Naquele mesmo semestre, iniciei a minha busca por estágio em escritórios de advocacia. Escrevi o meu primeiro (e super vasto rsrs) Curriculum Vitae, ressaltando as grandes experiências que possuía até então: (i) trabalhos voluntários em asilos e creches (para os quais me entregava de coração e alma, compartilhando histórias e jogos com os mais velhos e estudos e brincadeiras com os mais novos), (ii) monitoria e recepção de festas infantis e (iii) revenda de cosméticos (esses últimos, para ganhar uma graninha extra e aumentar a mesada que meus pais, com muito suor, conseguiam me dar).


[Deveria ter colocado no CV também algumas das minhas “grandes” experiências com causas ambientais até aquele momento: a minha paixão pelo Projeto Tamar; o fato de, com 15 anos, ter ganhado de presente um livro enorme, compilando diversas leis ambientais; a caçada anual do lixo que as pessoas abandonavam nas areias da Praia Grande, litoral sul de São Paulo, que eu fazia em todas as férias de verão... Recolhia, por conta própria, todo e qualquer vidro, papel, plástico, etc que encontrava por lá. Gente, por que as pessoas fazem isso até hoje??]


O que essa busca pelo meu primeiro trabalho oficial tem a ver com o início deste meu artigo?


É que, hoje, ao pensar no que iria escrever, encontrei o e-mail que enviei para o primeiro escritório em que estagiei, pedindo uma oportunidade de "trabalho". Isso aconteceu em 19 de junho de 2006. Nele, escrevi que “Entrei no site do escritório e gostei demais, principalmente pelas áreas com que trabalham, pois foram elas que me incentivaram a escolher o curso de Direito (ambiental, consumidor, publicidade, comercial (...)”.


[Engraçado pensar o que o advogado deve ter achado sobre o meu e-mail. Mais adiante, eu usei de muita - falta de - formalidade para dizer que tinha ligado para o escritório e que “A menina que atendeu, Paula, pediu para que eu enviasse diretamente ao senhor. Espero que eu possa ter algum retorno.”]


Bem, voltando ao assunto principal. Ao longo de minha vida acadêmica, profissional e pessoal eu também sempre me voltei para assuntos relacionados a esse tripé Direito - Meio Ambiente - Marketing.


Continuei a fazer trabalhos voluntários, participar de causas socioambientais, estudar os temas, fazer contatos nessas áreas e a atuar em consultoria e em demandas judiciais e administrativas, de forma empolgada (revitalizada) em todos os casos que tratavam de direitos difusos e coletivos.


[Sabe aquele lance de trabalhar com questões que te brilham os olhos? Pois então, isso sempre acontecia com situações que envolviam a responsabilidade socioambiental.]


Foi nessa relação cotidiana e profissional com o Direito, o marketing e o meio ambiente que comecei a notar um boom de produtos e empresas que se apresentavam como “verdes” ou “com responsabilidade socioambiental”.


A palha de aço BOMBRIL passou a ser “100% ecológica”, a Lava e Seca da SAMSUNG ganhou a função Ecobubble, os eletrodomésticos recebem selo PROCEL de eficiência energética, o plástico passou a ser biodegradável.


Por volta de 2014, então, comecei a estudar o marketing socioambiental, sua forma de atuação e a maneira como explora e divulga processos, valores e ações que causam menores impactos negativos ao meio ambiente e à sociedade. Nessas análises, descobri uma vertente honesta e transparente do marketing, mas também deparei-me com repetidas práticas ilícitas: os sete pecados do greenwashing, sobre os quais já comentei aqui.

Todas essas pesquisas e essa vivência me levaram a escrever a Dissertação de Mestrado “O greenwashing como problema do sistema jurídico brasileiro de defesa do consumidor”, aprovada com nota máxima (e generosidade dos Professores que integraram a banca julgadora) pela PUC.SP, em 2017.

Em 2019, após algumas edições, esse trabalho rendeu a publicação de meu livro “Greenwashing e o Direito do Consumidor: como prevenir (ou reprimir) o marketing ambiental ilícito”, por meio do qual tive a intenção de alertar sobre a existência da maquiagem socioambiental, para que todos os atores do mercado possam prevenir a sua prática e evitar o surgimento de conflitos éticos e jurídicos.


Bem, com muita alegria, vejo que, de 2014 para cá, cada vez mais as pessoas desejam adquirir produtos e serviços socioambientais e estão mais exigentes com relação à transparência e honestidade dos empreendedores. Verifico, também, que muitas organizações passaram a estudar o marketing ambiental ilícito e a fiscalizar a atuação das grandes marcas.


Foi com esse olhar otimista e de satisfação que li, na sexta-feira passada (24.7.2020), a publicação do artigo “O que é 'Greenwashing' e como saber se você está se deixando enganar por ele” escrito pela Naiara Bertão para o Valor Investe. (leia aqui!) Por diversas razões, recomendo a sua leitura:

  • Inicialmente, a analogia que a autora faz sobre o marketing socioambiental ilícito e a fábula do “lobo em pele de cordeiro” é extremamente assertiva: aqueles que praticam o greenwashing passam ao mercado a imagem de responsabilidade socioambiental em todas as suas tomadas de decisão (os cordeiros), enquanto, em verdade, mascaram diversos impactos negativos existentes em sua cadeia produtiva (o lobo).

  • Como ela também afirma, de fato, o greenwashing pode acontecer intencionalmente ou de forma não intencional. [Vejam que, para o direito do consumidor, tanto o dolo, quanto a culpa levam à responsabilidade do fornecedor. Então, não basta dizer que “não teve a intenção”, para tentar se livrar de responsabilização].

  • A jornalista enquadra o caso do Dieselgate da Volkswagen como greenwashing. [Eu concordo plenamente com essa visão e vi poucas pessoas descrevendo essa fraude como marketing ambiental ilícito! Mas é! E é greenwashing intencional, caracterizado pelo pior dos 7 pecados: a mentira.]

  • Bertão afirma que o lado ambiental da sustentabilidade é o mais difícil de ser fiscalizado e mensurado. [Sim! O mais difícil de ser fiscalizado, mensurado e implementado, tanto é que o próprio John Elking, criador do termo triple bottom line, fez uma crítica nesse sentido para a Harvard Business Review).

  • Afirma que o fácil acesso às informações que temos hoje, por meio da disseminação de notícias pela internet, impede que os empreendedores cometam o greenwashing por muito tempo, sem serem descobertos.

  • Mostra que o mundo está falando cada vez mais em investimentos de impacto (ESG).

  • Aponta importantes dicas dadas pelo Cristóvão Alves (Stawi Finanças do Bem), para se identificar o greenwashing, tais como: verificar a governança da empresa, ver se a sustentabilidade está de fato ligada aos processos dos negócios, verificar quais as estratégias de sustentabilidade são adotadas, inclusive, se há programas para inseri-la na cultura empresarial.

Fico muito feliz com esse artigo, tanto por ter sido escrito por uma repórter gabaritada, especialista em finanças e investimentos, quanto por ter sido publicado em um meio de comunicação que é referência sobre negócios e atividade econômica. É, em meu entender, mais uma demonstração de que a sustentabilidade é cada vez mais uma exigência atual e urgente e não mais apenas uma tendência futura e meramente retórica.


Relembro apenas que devemos olhar para o marketing socioambiental não apenas com reflexões negativas oriundas das más práticas, mas sim como forma de incentivar o seu crescimento honesto e transparente, para estimular o aumento da existência e do fornecimento de marcas, de produtos e de serviços verdadeiramente socioambientais.


Em nossas críticas, precisamos também refletir de forma a harmonizar o progresso econômico e social, com a preservação do meio ambiente. É importante sempre afastar pensamentos e ações radicais ou polarizadas, que defendam o marketing desenfreado ou o ambientalismo que veda qualquer tipo de desenvolvimento ou o Direito de interpretações extremamente burocráticas ou restritivas que impede o bom fluir dos negócios.


Afinal, somos todos responsáveis por implementar a sustentabilidade em nossas próprias ações.

Por hoje, despeço-me entusiasmada, porque o artigo no Valor Investe me fez constatar que posso, dia após dia, dedicar a minha vivência profissional e pessoal para aquele propósito interdisciplinar entre Direito, Meio Ambiente e Marketing (em síntese: o Direito e a Sustentabilidade).

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