O conceito de sustentabilidade já carrega em si uma natureza conflitiva, uma tentativa de harmonizar e equilibrar áreas do cotidiano que, aparentemente, disputam e colidem.
Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das nações unidas editou o relatório Nosso Futuro Comum (relatório de Brundtland) pontuando que há uma interdependência caótica entre meio ambiente, economia e sociedade, porque a biosfera não é capaz de absorver integralmente a ação humana. Por essa razão, o desenvolvimento deveria ser sustentável, ou seja, dever-se-ia concretizar o famoso ditado "satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras".
Ora, quer conflito maior do que satisfazer as necessidades presentes e iminentes do ser humano já nascido e, ao mesmo tempo, preservar os interesses e a qualidade de vida daqueles que ainda chegarão ao mundo?
De um lado, desenvolvimento representa o crescimento, o progresso, um estágio econômico, social e político de uma comunidade que se caracteriza por altos índices de rendimento dos fatores de produção.
Por outro lado, sustentável nos remete àquilo que se deseja e tem necessidade de sustentar, ou seja, de conservar, manter, impedir a sua ruína ou a sua queda, proteger, equilibrar-se.
Perceberam o antagonismo que surge do conceito mais elementar de Sustentabilidade? Como alcançar uma compatibilização entre interesses e posições aparentemente dissonantes, que visam progresso econômico ou preservação do meio ambiente natural ou, ainda, a proteção das necessidades do ser e da dignidade humana?
Aristóteles já dizia que a riqueza não é, obviamente, o bem que estamos procurando; na realidade, trata-se de algo útil que é desejado no interesse de outra coisa, nada mais que isso.
O vencedor do Nobel de Economia Amartya Sen, também já pontuou que as riquezas não são desejáveis por si mesmas, mas sim meios admiráveis que nos levam a ter mais liberdade para levar o tipo de vida que valorizamos. Assim, o desenvolvimento sensato não pode considerar apenas o crescimento econômico, mas estar relacionado com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos.
OTambém nesse contexto de equilíbrio, o britânico John Elkington criou a noção do já tão conhecido e explorado tripple bottom line ou tripé da sustentabilidade. Ele ressaltava a necessidade de se equilibrar questões elementares para a manutenção de uma vida longínqua e humanizada na Terra: people, planet and profit.
No entanto, Leonardo Boff passou a criticar construtivamente o triple bottom line, destacando a sua preocupação com a insuficiência do triângulo people, planet and profit para o afastamento da contradição existente entre sustentabilidade e desenvolvimento (BOFF, 2015).
Segundo Boff, são termos que se autonegam e possuem lógicas diferentes: um privilegia o indivíduo, o outro o coletivo, um a competição e o outro a cooperação, um a evolução do mais apto e o outro a coevolução de todos juntos e interrelacionados.
Estão me acompanhando nessa dissidência inerente ao conceito e à busca de um crescimento fundamentado em Sustentabilidade?
Ao tecer a referida crítica, Boff atualizou o tripé da sustentabilidade com importantíssimas concepções holísticas de mundo. Segundo ele, esses elementos humanísticos e éticos são:
Gestão da mente sustentável: o resgate da razão sensível do ser humano, de modo que ele compreenda que faz parte da natureza e deve controlar a sua compulsão pelo crescimento a todo custo, pelo produtivismo e consumismo.
Generosidade: o humano é um ser social, não é apenas individualista e egoísta. Há um espírito de cooperação e de solidariedade suficiente para preservar o rio para que todos possam exercer a pesca e se alimentar.
Cultura: deve-se valorizar a arte, a religião, a criatividade, as ciências e outras formas de expressão das comunidades, afastando-se do pensamento voltado exclusivamente ao lucro e ao crescimento material.
Neuroplasticidade do cérebro: o cérebro pode ser moldado para criar hábitos de consumo solidário e consciente.
Cuidado essencial: o gesto amoroso, acolhedor, respeitador do outro, da natureza e da Terra; aquele que cuida não se coloca sobre o outro, dominando-o, mas sim vive junto dele, convive, da-lhe conforto e paz.
Essa compreensão mais atual sobre o desenvolvimento sustentável é, de fato, bastante louvável. Não se limita apenas ao entendimento de que é necessário se manter o equilíbrio entre economia, sociedade e meio ambiente, mas também alcançar harmonização dessas questões com a humanidade do ser, a generosidade, a mentalidade e cuidado do ser humano consigo, com os demais seres vivos, com o meio ambiente e com a Terra.
Legal, mas como alcançar tudo isso na prática, diante de interesses e situações concretas tão conflitantes?
Vivemos um momento bastante crítico, em que diversos desastres socioambientais feriram profundamente o já consolidado conceito de desenvolvimento sustentável.
Não precisamos falar detalhadamente sobre casos notórios como o acidente aéreo da TAM em Congonhas, as tragédias de Mariana e Brumadinho e os incêndios em nossa Floresta Amazônica.
Esses casos são exemplos em que o conceito de desenvolvimento sustentável foi lançado ao esquecimento e ao descaso, tornou-se uma conquistadora retórica que se descobriu imprudente, irresponsável.
Ora, mas e se, para se evitar a ocorrência desses desastres coletivos de grande proporção e/ou para se implementar a Sustentabilidade, os empreendedores e as comunidades valerem-se de Diálogo e mediação de conflitos para identificar e compatibilizar interesses, posições, valores, necessidades e visões de mundo de todos os stakeholders?
A mediação de conflitos é um instrumento louvável e importantíssimo de facilitação da conversa, de aproximação, entendimento, harmonização e pacificação social destinado a controvérsias de toda e qualquer natureza.
O mediador de conflitos é um profissional capacitado para utilizar técnicas de comunicação e de negociação de forma imparcial e sigilosa, com o objetivo de superar ruídos e falhas informacionais entre pessoas que estão ligadas por uma situação fática conflituosa e aparentemente incompatíveis.
O bom mediador não faz julgamentos sobre as motivações e os interesses das partes; de forma neutra e isenta, ele utiliza mecanismos organizados para fazer com que as pessoas se escutem, visualizem e raciocinem sobre as suas próprias necessidades e interesses e sobre a posição e o interesse do outro.
Busca-se, assim, que as partes envolvidas sintam-se reconhecidas e, em conjunto e de forma colaborativa, sejam capazes de criar uma solução criativa e satisfatória para a questão conflitiva vivenciada.
Os conflitos de interesses de sustentabilidade envolvem diversos atores que ocupam posições distintas e, por vezes, bastante desequilibradas: geralmente, abrangem empreendedores, comunidades locais, consumidores, órgãos públicos, organizações civis e determinado meio ambiente natural.
A mediação de conflitos, nesse sentido, é capaz de restabelecer a comunicação entre todos essas pessoas, inspirar respeito e confiança entre as partes e no procedimento de mediação, administrar ânimos exaltados, fazer com que as pessoas enxerguem a situação sob uma nova ótica e possam afastar-se de emoções e pontos de vista colidentes para alcançarem juntamente uma pacificação.
Há diversas situações concretas em que a mediação de conflitos está sendo utilizada para pacificar situações conflitivas em que os prejuízos materiais, morais e socioambientais já ocorreram e são irreversíveis. São casos em que se buscou o entendimento entre as partes para se compensar sérios danos já estabelecidos.
Por exemplo, destacamos os já mencionados acidente do vôo 3054 da TAM em 2007 e o rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana (2015), a atuação do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Brumadinho nos conflitos oriundos do rompimento das barragens da Vale e a mediação de conflitos utilizada na Recuperação Judicial da Oi.
Mas, a nossa verdadeira intenção com essas considerações é alertar a possibilidade de utilização do diálogo e do mediador de conflitos para harmonizar interesses aparentemente conflitantes e prevenir a ocorrência de ações contrárias à sustentabilidade e que, por conseguinte, causem danos irreversíveis às pessoas, ao meio ambiente e ao próprio causador do prejuízo (a maculação de sua imagem e os milionários dispêndios financeiros com multas e indenizações).
A instalação de uma indústria em determinada região envolve, por exemplo, questões ambientais a serem geridas e administradas com órgãos públicos (IBAMA, CETESB, Municípios, etc), os impactos sociais trazidos para a comunidade local já há anos consolidada naquele local, os interesses dos empresários de crescimento econômico da empresa e, por conseguinte, de geração de riqueza para si e para a sociedade, a fiscalização pelo Ministério Público, os interesses dos demais participantes da cadeia produtiva como fornecedores de matéria prima e serviços, dentre outras pessoas.
Conseguem perceber o quanto uma situação fática pode ser complexa, conflitiva e ter uma aparência de ser completamente incompatível?
Por que, então, não sermos criativos e inteligentes em nossas organizações privadas e/ou públicas, nossas empresas e nossa comunidade para identificarmos previamente situações em que a consolidação de uma prática sustentável envolve a compreensão dos interesses e das preocupações de todas as pessoas envolvidas e atingidas pela atividade econômica?
Por que não sermos inteligentes e contarmos com um profissional capacitado em solução pacificadora de conflitos para identificar e compatibilizar todos os interesses dos agentes envolvidos nessas situações concretas, de forma a consolidar a nossa responsabilidade sócio-ambiental, prevenindo a ocorrência de danos?
Por que não investirmos no DIálogo e na mediação de conflitos como uma ação preventiva, como um verdadeiro investimento destinado a minimizar a possibilidade de futuros e grandiosos dispêndios financeiros e prejuízos à credibilidade de nossas marcas decorrentes de fatos adversos?
Não existe um "porque não".
Existe, sim, a possibilidade e a necessidade de visualizar o mediador de conflitos como um profissional primordial a ser contratado para a efetivação de uma gestão empresarial responsável, ética, lícita, empática e que se comunica com todos aqueles que são alcançados por sua atividade econômica.
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