Edgar Morin sempre nos ensina que, para perguntas complexas, dificelmente haverão respostas simples.
A COP 26 é, sem dúvida, um exemplo dessa complexidade dos sistemas humanos. Os desafios que enfrentamos sobre as crises climáticas são, claramente, fonte de reflexões, diálogos e conflitos.
Não é à toa que, pelo menos desde o Protocolo de Quioto (1997), os países trocam conversas tão acirradas, com interesses múltiplos e contraditórios. Porém, (aparentemente), o mundo almeja um objetivo comum: descarbonizar o nosso presente, o nosso futuro.
Um dos maiores riscos que está sendo levantado é o greenwashing. Como exigir que os países e suas respectivas empresas e seus órgãos públicos sejam transparentes, quando há riscos claros de enganações? Como se alcançar a verdade, quando se fala tanto em favorecimento de compensação de carbono, ao invés de priorizar a efetiva descarbonização, dupla contagem de redução de emissões, comunicações de sustentabilidade excessivas e abusivas?
O assunto é complexo, sim. Mas, com o intuito de tentar colaborar com as conversas, trago a vocês algumas normas internacionais que já se debruçaram sobre o tema e tratam de transparência nos relatos sobre neutralização do carbono.
2017: ONU - DIRETRIZES PARA O FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES SOBRE A SUSTENTABILIDADE DOS PRODUTOS:
Estas Diretrizes elaboradas pela ONU trazem orientações para que as empresas possam fazer afirmações aos consumidores sobre os atributos ambientais, sociais e econômicos dos produtos.
A norma traz alguns apontamentos importantes:
a. Não afirmar, genericamente, que é "amigo do meio ambiente" ou um produto sustentável" ou simplesmente que é "carbono neutro". As afirmações devem ser mais específicas e explicativas, como: "Nós medimos nosso impacto sobre o clima", seguido de informações comprováveis, dados assertivos, certificações, metodologia científica sobre o cálculo da pegada de carbono, ao longo de todo o ciclo de vida do produto. Afirmações muito amplas, hiperbólicas, com apelos emotivos, enganam o consumidor!
b. As informações devem ser de fácil acesso e devem esclarecer qual foi a metodologia usada pela empresa para fazer as afirmações relacionadas à pegada de carbono daquele deteminado produto.
c. As informações explicativas podem estar em outros canais, não necessariamente caberão todas no rótulo do produto. Mas, o rótulo deve trazer afirmação mais específica possível e, além disso, deixar bem visível onde que o consumidor poderá encontrar informações complementares e as comprovações daqueles dados.
2. 2019: International Chamber of Comerce (ICC) - FRAMEWORK FOR RESPONSIBLE ENVIRONMENTAL MARKETING COMMUNICATIONS
a. Pesquisas indicam que os consumidores se preocupam com o prazo em que as empresas atingirão as metas de descarbonização. Não adianta divulgar que é carbono neutro ou que há um projeto de descarbonização. Deve dizer, claramente, em quanto tempo ele será implementado e, inclusive, evitar alegações nesse sentido se não forem alcançadas em um espaço de tempo mais breve (por exemplo, 2 anos).
b. Todas as informações devem ser comprovadas por estudos e metodologias científicas.
c. Se leis exigirem que a empresa se torne carbono neutro, esta informação não deve fazer parte de um apelo de sustentabilidade. Cumprimento de lei não é diferencial competitivo de mercado!
d. A informação sobre o carbono não pode passar para o consumidor a impressão de que a empresa ou o produto não causam impactos ambientais negativos. Transparência e não enganosidade!
3 - 2012: Federal Trade Comission USA - GREEN GUIDES.
O guia possui diversas orientações para que as empresas evitem marketing ambiental desleal ou enganoso. Dentre elas, algumas específicas para carbono, como:
a. Os compensadores de carbono devem utilizar métodos científicos competentes e confiáveis que comprovem as reduções das emissões de GEE e assegurem que eles não estão vendendo a mesma redução mais de uma vez.
b. Para evitar enganosidade, o marketing deve dizer claramente se o crédito de carbono representa uma redução presente ou que não acontecerão em um curto prazo (por exemplo, 2 anos)
c. Não fazer apelo de sustentabilidade com redução de emissão de carbono, se está obrigação decorrer de lei.
d. Exemplo : "compense a emissão de carbono de seu voo financiando novos projetos que irão reduzir os índices em até dois anos"
E se disposições semelhantes a essas fossem consignadas nos acordos globais assinados na COP 26? São principiológicas, claro. Não garantem o seu não descumprimento (como toda norma ou lei). Porém, os acordos poderiam prever estes princípios gerais e algumas sanções para o seu descumprimento.
Assim, quando os países interiorizarem em seu ordenamento jurídico os referidos pactos internacionais, poderão ser cobrados, fiscalizados. O greenwashing da neutralização do carbono poderá, dessa forma, ser combatido por meio de litigância climática.
O que vocês pensam sobre essas questões?
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